Autor:
Sílvio Anaz
Eles
começaram quando os Beatles acabaram, no rescaldo do fim do sonho hippie. E terminaram logo
após o punkanunciar
o fim do mundo como o conhecíamos. Nesse intervalo, os anos 70 trouxeram a
efervescência da era da discoteca, os filmes de catástrofe, o início da
hegemonia do cinema hollywoodiano para adolescentes, os primeiros passos do
hip-hop e da música eletrônica, o auge e a morte do rock progressivo, além de um vestuário que deu uma identidade toda
particular para a época. Foram fatos, movimentos e estéticas que ajudaram a
enterrar definitivamente as ilusões da década de 60 e a lançar as bases do que
seria a vida a partir dos anos 80.
Mas tanto
aqui como lá fora, as roupas, as artes e o comportamento jovem mudaram
radicalmente ao longo dos anos 70. A herança sessentista deu o tom nos
primeiros anos, no visual e no comportamento hippie e nas artes psicodélicas.
No final da década, partes significativas da juventude tinham aderido ao modo
de ser soturno e agressivo do punk ou ao estilo colorido, descompromissado e
hedonista na onda da discoteca e da música pop.Foi uma
década em que o mundo vivenciou a derrocada norte-americana no Vietnã, o
escândalo político de Watergate, o surgimento do movimento punk, a crise do
petróleo e a ascensão de um pensamento econômico ultraliberal. No Brasil,
passava-se dos anos mais repressivos da ditadura militar para o início do
processo de abertura política. Por conta da censura e do regime autoritário,
muitas das transformações culturais e comportamentais daqueles anos não foram
completamente vivenciadas por aqui naquele momento.
Não foi apenas o fim dos Beatles que enterrou o sonho hippie. Coisas mais profundas aconteceram. Em 1969, poucos meses depois do Festival de Woodstock, foi realizado um festival no Autódromo de Altamont, cuja maior atração eram os Rolling Stones. Também se apresentaram Jefferson Airplane e The Who. Aconteceu que a "segurança" era feita pelos famigerados Hell's Angels, um grupo motociclistas que até hoje tem fama de ser uma organização violenta, que vivia de atividades ilegais, cujos membros obrigatoriamente devem ter uma Harley-Davidson. O show era de graça, mas atraiu pessoas de todas as tribos imagináveis, de diferentes estilos de vida, classes sociais, religiões e assim por diante. O clima estava tenso. Grupos de pessoas passaram a trocar provocações e ataques físicos. Nada era parecido com o clima amistoso de Woodstock. Em certo momento, os Stones estão no palco e uma briga acontece. Um rapaz negro chamado Meredith Hunter desentende-se com alguns Angels e puxa um revólver. Antes que tivesse atirado, um grupo de Angels o mata a facadas. Mick Jagger acusa publicamente os Hell's Angels pelos desentendimentos, brigas e excesso de drogas no recinto. Tal fato provou que os Estados Unidos ainda era um país segregado e sua sociedade intolerante. Naquele momento foi mostrado ao mundo que o sonho dos hippies até então era utópico. Alguns Angels, tempos mais tarde, tentaram matar Jagger , mas a tentativa foi tão desastrosa, que Jagger só soube disso muitos anos depois. Em 1970 os Beatles declaram publicamente sua separação, mas mal se falavam desde 1967. Também em 1970 morrem Jimi Hendrix e Janis Joplin, as duas maiores atrações de Woodstock. Em 1971 morre Jim Mirrison. Todos de overdose de heroína. Os Stones se renovam e se reinventam, em quase nada lembrando o estilo que adotaram nos anos 60.
Descubra nas páginas a seguir os fatos culturais mais marcantes da
década de 70 e que até hoje simbolizam aqueles anos no imaginário de todos nós.
Do
idealismo ao pragmatismo
Os
anos 70 trouxeram uma mudança radical no comportamento jovem. Em uma década,
ele foi da esperança à desilusão, do engajamento ao descompromisso. O que
começou com protestos contra a Guerra do Vietnã, com lutas contra os regimes
autoritários na América Latina e outros embates ideológicos terminou no
niilismo e no desencanto dopunk ou
num crescente hedonismo que daria o tom nas décadas seguintes. Ao final
daqueles anos, quase nada da cultura hippie, da paz e amor do “flower power”
havia sobrevivido. Aquela contracultura idealista e pacifista, por exemplo,
havia sido substituída por uma outra agressiva e pragmática.
A música jovem nos anos 70
A música
popular foi o que melhor retratou a diversidade e as transformações da cultura
jovem nos anos 70. A década que começou com o fim dos Beatles teve uma fase megalomaníaca do rock. O heavy metal e o progressivo eram as vertentes em alta e suas canções
estavam cada vez mais sofisticadas, com virtuosismos que flertavam com a música
erudita. Bandas, como Led Zeppelin, Pink Floyd e Genesis, faziam concertos grandiosos, em mega
turnês.
Enquanto isso,
um novo estilo de rock, andrógino, teatral e cheio de glamour surgia nas
canções e performances de David Bowie, T-Rex e Roxy Music. Separados, os
ex-Beatles começavam novas bem-sucedidas carreiras. Recuperados da morte de
Brian Jones e dos incidentes de Altamont, os Rolling Stones lançavam alguns de seus
melhores álbuns com sua mistura de rock e rhythm’n’blues.
Fora do
rock, a black music que
emergiu nos anos 60 dava o tom da música pop, com sucessos românticos, dançantes, mas também carregados de protestos
sociais, de Marvin Gaye, Sly & the Family Stone e James Brown. Outros
artistas pop começaram a se destacar, misturando rocks e baladas, como Elton John, Peter Frampton e Rod Stewart.
No Brasil, um tipo de canção de protesto disfarçada, por conta da
censura, tinha como expoente a obra de Chico Buarque. E o tropicalismo ainda fazia eco nas canções
de Caetano Veloso e outros artistas. Mas o que liderava as
paradas e as vendagens eram as canções românticas do “rei” Roberto Carlos e os sucessos da música brega, uma vertente da canção popular extremamente
sentimental composta e interpretada por artistas bem populares, como Odair
José, Nelson Ned e Valdick Soriano
Mas, na metade da década tudo mudou. No momento
em que o Queen despontava como uma das maiores bandas do rock, os rumos da
música jovem estavam mudando radicalmente. Cansados da filosofia hippie herdada
dos anos 60, das canções “viajandonas” que não falavam de sua realidade e das
posturas super pop stars das grandes bandas,
parte da juventude nos EUA e no Reino Unido adotou o “faça você mesmo” como
lema artístico e comportamental. Nascia o punk, com seu rock básico, acelerado e visceral e um
visual soturno e agressivo, tendo como expoentes os Sex Pistols e os Ramones
Enquanto o punk chocava e causava uma ruptura, a
música pop desaguava na disco music ou
música de discoteca, baseada nos suingues da música negra e nos primeiros
recursos da música eletrônica. A era da discoteca foi repleta de canções alto
astral, feitas para dançar e descompromissadas, como mostram os sucessos
de Donna Summer, Abba e KC & The Sunshine Band.
O centro dessa nova subcultura jovem eram clubes
noturnos com pistas de dança iluminadas por globos de espelhos e luzes
estroboscópicas. Dançar sem parar, o uso de drogas, o erotismo e o florescer de
uma cultura gay faziam parte da atmosfera da era da disco music. Enquanto o punk rompeu com a contracultura
hippie para ser agressivo e niilista, a “era da discoteca” se opunha ao
idealismo e coletivismo dos anos 60 com uma proposta hedonística,
descompromissada e individualista.
No Brasil, a
onda da disco music se popularizou antes do movimento
punk. Na segunda metade da década de 70, as discotecas brasileiras eram um dos
principais centros de entretenimento. A febre da disco music se espalhou pelo país com os sucessos
da novela “Dancin’ Days” da Rede Globo e o lançamento do filme “Os Embalos de
Sábado à Noite”, com John Travolta. O fenômeno permitiu também o surgimento de
uma versão brasileira da música de discoteca, com As Frenéticas, Lady Zu e Tim
Maia. Uma versão mais popular e erotizada do gênero ficou por conta de artistas
como Sidney Magal e Gretchen, que atualizaram o estilo brega para o ritmo
da disco music.
Mas, mais do
que a diversidade de gêneros que surgiram ou definharam nos anos 70, a marca
dessa década foi a radical mudança de rumo que a música jovem deu.
1977, o começo do fim dos anos 70
1977 foi o ano em que Elvis Presley, o
rei do rock, morreu. Foi também o do início do rap e da
cultura hip-hop, do auge da onda da discoteca com o Studio 54 em Nova Iorque,
do lançamento nos cinemas de “Os Embalos de Sábado à Noite” e da saga “Guerra
nas Estrelas”. Foi o ano em que os Sex Pistols e o punk conquistaram
o mundo. Foi também quando começou a surgir a new wave, a partir do punk
nova-iorquino de Talking Heads e Blondie. Em 1977, a década de 70 chegou ao seu
ápice e começou a anunciar o que estava por vir
O cinema nos anos 70
Em 1971,
Woody Allen lançou “Bananas”, filme que anunciou a renovação que o cinema
norte-americano passaria nos anos 70. Na década, surgiram alguns dos mais
inspirados diretores contemporâneos como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola,
George Lucas e Steven Spielberg. De um cinema adulto com filmes que mergulharam
nas almas de seus personagens, como “Sob o Domínio do Medo” (dir. Sam
Peckinpah, 1971), “Laranja Mecânica” (dir. Stanley Kubrick, 1971), “O Poderoso
Chefão” (dir. Francis Ford
Coppola, 1972), “Taxi Driver” (dir. Martin Scorsese, 1974) e “Apocalypse Now”
(dir. Francis Ford Coppola, 1979), a década
terminou com o domínio do cinema feito para adolescentes. Teve também o sucesso
dos “filmes de catástrofes”, como “Aeroporto” (dir. George Segal, 1970),
“Terremoto” (dir. Mark Robson, 1974) e “Inferno na Torre” (dir. John Guillemin
e Irwin Allen, 1974).
Apesar de
tantos clássicos produzidos por aqueles que estariam entre os maiores diretores
de todos os tempos, um filme símbolo dos anos 70 é aquele que alimentou a febre
da onda das discotecas. “Os Embalos de Sábado à Noite” (dir. John Badham, 1977)
traz John Travolta no papel de Tony Manero, um jovem que trabalha como
balconista, sem perspectivas, que encontra sentido para sua vida apenas nas
pistas de dança das discotecas de Nova Iorque. Os hits dos Bee Gees, Kool &
The Gang e KC & The Sunshine Band, a moda de roupas de poliéstrer e sapatos
plataforma e o visual das pistas de dança com seus globos espelhados ficaram
eternizados como a marca de uma era.
O sucesso de “Os Embalos de Sábado à Noite” fez com que Hollywood
descobrisse nos filmes para adolescentes o caminho para grandes bilheterias. A
era do “cinema teen”, que predominaria nas décadas seguintes, avança nos anos
70 com “Guerra nas Estrelas” (dir. George Lucas, 1977), uma obra repleta de
efeitos especiais impactantes e uma nova e acelerada linguagem para a ficção
científica, e com o sucesso do musical “Grease – Nos Tempos da Brilhantina”
(dir. Randal Kleiser, 1978), que traz novamente John Travolta no papel
principal, desta vez ao lado da atriz-cantora Olivia Newton-John.
No Brasil, os filmes do “cinema da Boca” e os
patrocinados pelo
mecenato estatal da Embrafilme mostravam as duas faces da produção
cinematográfica nacional. De um lado um cinema marginal representado
por diretores como Ozualdo Candeias, Rogério Sganzerla, Carlos
Reichenbach, David Cardoso e José Mojica Marins, o Zé do Caixão. De
outro, os filmes produzidos pela Embrafilme dos diretores Cacá Diegues,
Nélson Pereira dos Santos, Hector Babenco, Neville de Almeida, Arnaldo
Jabor e Bruno Barreto, entre outros. O resultado ia de filmes
escrachados como “Bacalhau” (dir. Adriano Stuart, 1975), uma sátira do
sucesso “Tubarão” (dir. Steven Spielberg, 1975), ao cinema autoral de
Walter Hugo Khoury , além de uma vasta produção de pornochanchadas,
como “O Bem Dotado, o Homem de Itu” (dir. José Miziara, 1978).
A moda jovem e os ícones dos anos 70
O visual e a atitude jovem, ao longo da década,
migrou do riponga e do black power da
virada dos anos 60 para os 70 para uma diversidade que ia da agressividade
do punk ao chique e colorido da disco music e da new wave no
final daqueles anos. Herança da contracultura hippie, as batas, pantalonas,
saias e vestidos com estampas floridas ou étnicas, com influências ciganas e
indianas, e os cabelos compridos deram o tom da moda jovem na primeira metade
da década.
Com o
surgimento do movimento punk, que se opunha ao estilo de vida e às idéias
hippies, uma parte da juventude aderiu à filosofia niilista e agressiva dele e
adotou um visual sadomasoquista inspirado nas criações da estilista Vivienne Westwood, com suas roupas de couro,
camisetas rasgadas, cintos e pulseiras de tachinhas, cabelos coloridos e o
corpo cheio de piercings.
Parte da
elegância que existia na música negra dos anos 60 inspirou o visual dos freqüentadores das discotecas na
segunda metade dos anos 70. Até porque muito da disco
music derivava do funk e de outros ritmos da black music. Mas
era uma versão mais extravagante e exótica com camisas de cetim e de seda,
calças a base de lycra, meia-calças combinando com saias, tudo cheio de
lantejoulas. No Brasil, a novela “Dancin’ Days”, de Gilberto Braga, veiculada
pela Rede Globo em 1978, ajudou a popularizar o vestuário da onda disco.
O colorido
da discoteca, mas com outros tons e uma versão mais futurística iria aparecer
também na moda new wave, que surge no final dos anos 70 e se constituiria na
representação visual dos anos 80, com seus blazers com ombreiras, calças “bag”, camisas em tons pastéis
e cabelos ao estilo “mullets”.
Dez ícones dos anos 70
John
Travolta: astro
dos sucessos “Os Embalos de Sábado à Noite” e “Grease – Nos Tempos da
Brilhantina” tornou-se um símbolo da era da disco
music e
do cinema teen da década.
Dancin’
Days: a
novela da Rede Globo foi um sucesso nacional ao contar a história de uma
ex-presidiária, interpretada por Sônia Braga, e ao mostrar parte da cultura da
discoteca.
Sid
Vicious: o
baixista do Sex Pistols representava a essência do movimento punk: jovem,
anárquico, caótico, agressivo, sem virtuose musical alguma, sem futuro – com
todas essas “qualidades” ajudou a mudar os rumos da canção jovem no mundo
inteiro.
Guerra
nas Estrelas (Star Wars): o primeiro filme da saga de George Lucas encantou e deixou
boquiabertos jovens no mundo inteiro. Darth Vader, Luke Skywalker e Hans Solo
entraram definitivamente para a galeria de ídolos da cultura pop.
Pelé: o melhor jogador de futebol de
todos os tempos, autor de mais de mil gols feitos contra times bons de verdade,
foi jogar no milionário time do New York Cosmos e ajudar a popularizar o
futebol (soccer) nos Estados Unidos.
Clint
Eastwood: o ator
personificou Dirty Harry o violento e politicamente incorreto policial em
filmes que retratam a cultura e a atmosfera urbana dos anos 70 nos Estados
Unidos.
Helena
Ramos: a atriz
foi um símbolo sexual do cinema brasileiro dos anos 70, com participação em
vários filmes produzidos pelo “cinema da Boca do Lixo” e em pornochanchadas.
Roberto
Carlos: saindo
da Jovem Guarda ingressa nos anos 70 em uma fase romântica e erotizada,
tornando-se o rei da música popular no país e líder de vendagens e das paradas
de sucesso durante toda a década.
Pink
Floyd: o
supergrupo de rock progressivo e psicodélico lançou álbuns conceituais, como
“The Dark Side of the Moon” (1973), que foram considerados obras de arte com
suas letras filosóficas e sonoridade viajandona típica do início dos anos 70.
As
Panteras: seriado televisivo,
que trazia a atriz Farah Fawcet como um dos “anjos de Charlie”, mostra três
belas detetives que exemplificaram o charme e a moda dos anos 70
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